top of page

A MORTE DE VIRGÍLIO

Recensão

(Mário Rosa)

Der Tod des Vergil (edição portuguesa: A Morte de Virgílio) é um romance do austríaco Hermann Broch publicado em 1945. O ponto de partida do livro é a referência biográfica que Suetónio faz de Virgílio:

 

In the fifty-second year of his age, wishing to give the final touch to the “Aeneid”, he determined to go away to Greece and Asia, and after devoting three entire years to the sole work of improving the poem, to give up the rest of his life wholly to philosophy. But having begun his journey, and at Athens meeting Augustus, who was on his way back to Rome from the Orient, he resolved not to part from the emperor and even to return with him; but in the course of a visit to the neighbouring town of Megara in a very hot sun, he was taken with a fever, and added to his disorder by continuing his journey; hence on his arrival at Brundisium he was considerably worse, and died there on the eleventh day before the Kalends of October, in the consulship of Gnaeus Sentius and Quintus Lucretius.(Loeb Classical Library)

 

Hermann Broch, pelo que se pode depreender, ficou curioso por esta decisão de Virgílio querer ir para a Grécia estudar filosofia depois de acabar a Eneida. Haveria algo na Eneida, a sua obra poética insuperável, que não satisfizesse completamente o autor?

 

Ainda no livro de Suetónio, podemos ler: He had arranged with Varius, before leaving Italy, that if anything befell him his friend should burn the “Aeneid”; but Varius had emphatically declared that he would do no such thing. Therefore in his mortal illness Vergil constantly called for his book-boxes, intending to burn the poem himself; but when no one brought them to him, he made no special request about the matter. (Loeb Classical Library)

 

Outra pergunta novamente se impõe: porquê esta insistência em queimar a Eneida estando ela incompleta? Hermann Broch vai um pouco mais longe do que o texto e estabelece a seguinte ligação: Virgílio sente a Eneida incompleta porque nela só procurou a Beleza. A sua grande obra estava incompleta porque lhe faltava a reflexão filosófica.

É conhecida a famosa frase do Idiota de Dostoiévski «a beleza salvará o mundo». Leonardo Boff acertou no seu comentário ao pensamento do romancista: «No romance Os irmãos Karamazov aprofunda a questão. Um ateu Ipolit pergunta ao príncipe Mynski como “a beleza salvaria o mundo”? O príncipe nada diz mas vai junto a um jovem de 18 anos que agonizava. Aí fica cheio de compaixão e amor até ele morrer. Com isso nos quis dizer: beleza é o que nos leva ao amor condividido com a dor; o mundo será salvo hoje e sempre enquanto houver essa atitude.»

Hermann Broch, no livro sobre a morte de Virgílio, coloca-nos noutra condição indispensável e, por desgraça, impensável para Boff: a Beleza, sem a Verdade, leva-nos à morte e gera a morte. A análise que Broch faz da Beleza vazia e os jogos de morte no Coliseu é admirável. Depois trata-se apenas de trilhar os outros caminhos mais subtis a que a Beleza sem verdade nos conduz.

Julgo que basta esta tese para evidenciar que estamos perante um dos grandes romances do século XX.

Para quem gosta de Virgílio, também da sua vida, onde o ser rústico e o ser cidadão se completavam com tanta violência e fecundidade, são imperdíveis as primeiras páginas deste grande romance. A descrição que Broch faz das mãos de Virgílio, o escritor culto e o «homem corpulento e alto, moreno e de aparência rústica», é notável.

bottom of page