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T. S. ELIOT

Recensão

(Jorge Reis)

Nasceu nos Estados Unidos em 1888. Estudou Filosofia e até à conclusão do doutoramento foi passando pelas universidades de Harvard, Oxford e Sorbonne. Foi viver para o Reino Unido, adquiriu a nacionalidade inglesa e converteu-se ao anglicanismo. Morreu em 1965.

Foi um dos últimos grandes humanistas daquela estirpe que se tornou difícil de encontrar, especialmente naqueles que já foram formados depois da primeira guerra.

 

Eliot não foi apenas um grande escritor, conseguiu o feito raro de ser também um grande crítico literário e pode assim ser comparado ao mítico Dr. Johnson. Em língua italiana talvez tenha um parente pobre mas contemporâneo em Eugenio Montale.

A obra literária de Eliot é assim composta por duas vertentes já que a compreensão da sua poesia beneficia em muito duma leitura conjunta dos seus ensaios. Desde logo porque há caminhos que Eliot apenas aflora na poesia e que depois aprofunda na crítica, mas também pelo inverso, quando na prática, i.e. na poesia, percebemos o que queria dizer na teoria.

Há, no entanto, outra razão fundamental que é o facto de tudo aquilo que hoje é lido em língua inglesa ter passado por Eliot. Os que o antecederam, porque foi Eliot quem os mostrou, e os que lhe sucederam, porque foi Eliot quem os publicou enquanto editor da lendária Faber & Faber. É justo dizer que Eliot redefiniu o cânone Ocidental: pela sua obra poética porque, aproveitando o seu ensaio sobre a tradição, as obras novas ajustam a ordem do passado; pela crítica porque recuperou autores esquecidos e condenou outros tantos. É precisamente este papel de crítico que muitos como Harold Bloom, certamente um dos maiores críticos vivo, não lhe perdoam.

 

Four Quartets (edição portuguesa bilingue: Quatro Quartetos). O primeiro aspecto, embora certamente mais secundário, a destacar neste Quartetos, é o facto de se tratar de uma síntese do conservadorismo de onde partiram os pensadores conservadores que lhe sucederam. É curioso que seja um poema, e não um manifesto, por exemplo, e tal é só por si elucidativo do que possa ser o conservadorismo.

O segundo aspecto é o tema central destes quatro poemas: o tempo.

Eliot foi dos primeiros a compreender e também a dar uma expressão artística consistente a uma mudança fundamental na percepção que o homem tem do tempo e que, algures no século XX, se estabeleceu como clara e irreversível. Virginia Woolf diria que em determinado momento o carácter humano mudou, mas para Eliot há antes uma mudança exterior ao homem que se reflecte na sua percepção do tempo. Este momento definitivo só podia ter acontecido depois da revolução industrial e no último fulgor da idade moderna.

O tempo é para o homem um mistério que este tenta compreender através do espaço. É de tal modo assim que o espaço se tornou na expressão física dessa realidade abstracta, sem pontos de referência fora da vida do homem, que é o tempo. O ser humano mede o tempo a partir do espaço e dessa forma o tempo apreende-se como uma distância percorrida. Tudo isto é ilustrado extensivamente por Thomas Mann em A Montanha Mágica.

Eliot sabia isto e percebeu que no século XX a relação do homem com o espaço mudou e consequentemente a sua percepção do tempo. Não por acaso as imagens que Eliot escolhe para discorrer sobre o tempo são essencialmente espaciais: o movimento, o eco, a música ou a dança sem esquecer a memória cuja relação com a percepção espacial a neurociência tem tornado mais clara.

Exemplo de tudo isto, em particular no contexto das grandes guerras, é a brutal diferença no tempo psicológico de cada meio de transporte, sobretudo quando associados aos diferentes elementos, i.e. por terra, pelo mar ou pelo ar. Veja-se o que acontece no filme Dunkirk de Christopher Nolan. O tempo real é o mesmo para quem está em terra, no mar ou no ar, mas é no ar, fruto da rapidez de movimento, que mais coisas se passam. Já no mar, ou ainda em terra, tudo parece enfadonho, monótono e fatigante. Por outras palavras, dá-se uma aceleração do tempo quando o homem começa a mover-se mais rapidamente.

As referências a Dante tornam-se claras quando Eliot mostra que não está apenas a pensar no tempo dos homens, e por isso fala do ponto de intersecção do temporal com o intemporal na Encarnação do Verbo. Aqui o tempo é conquistado, há apenas o agora onde tudo o que o homem faz é simplesmente tentar.

Numa referência elíptica à esperança, ao amor e à fé sugere a quietude e a espera como modo de redescobrir a luz. Tal proposta não é mais do que tentar, tanto quanto possível, experimentar o tempo fora do espaço, reencontrar um tempo sem tempo, o instante do momento presente e assim perceber todas as suas implicações.

Esta primazia do momento presente, emaranhado no passado e no futuro, e da consciência do indivíduo não deve ser confundida com delírios românticos ou com a subjectividade que lhes está inerente. É em vez disso uma responsabilização da pessoa que é livre de escolher o seu caminho e por isso pode, a qualquer momento, alterar o rumo da história recusando assim predeterminismos ou materialismos históricos.

 

Selected Essays, 1917-1932 (edição portuguesa: Ensaios Escolhidos). Os ensaios podem ser divididos em dois grandes grupos: um referente a autores ou movimentos concretos, outro mais genérico referente a teoria literária, cultura, etc.

Relativamente ao primeiro grupo, o ensaio sobre Dante é indispensável e serve de complemento a grande parte da poesia de Eliot. Os ensaios sobre Shakespeare são bastante idiossincráticos e merecem por isso alguma atenção.

Em relação ao segundo grupo, o ensaio mais importante é Tradition and the Individual Talent, seguido de The Function of Criticism. Estes dois ensaios representam o programa intelectual e artístico de Eliot bem como aquilo que tentou alcançar na sua obra literária.

 

The Waste Land (edição portuguesa bilingue: A Terra Devastada). É neste poema soturno e desesperançado que Eliot se estabelece como um dos pais do modernismo literário e ganha o respeito dos seus pares.

O poema original foi amplamente truncado por Ezra Pound, de tal forma que alguns críticos acham inapropriado que Eliot apareça como o único autor. Há uma edição, com os comentários e cortes de Pound, onde o leitor poderá avaliar a validade daquilo que foram afinal as sugestões de Pound a quem Eliot agradeceu dedicando-lhe o poema.

Talvez um verso baste para perceber o tom: I will show you fear in a handful of dust.

Evelyn Waugh, que gostava de escrever livros sobre frases de outros, oferece certamente em A Handful of Dust uma aproximação mais leve a este poema de Eliot.

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