top of page

IV - ORIGEM DA CULTURA OCIDENTAL: ROMA

4. SAGRADO E ACÇÃO

K. KERÉNYI/M. SORDI

(Mário Rosa)

Karol Kerényi (1897-1973) foi um filólogo clássico e um dos estudiosos mais importantes da mitologia grega e da mitologia romana. Na sua obra Antike Religion (1995), compilação de estudos seus, encontramos uma importante análise sobre a religião romana (Pontos culminantes da experiência religiosa grega e romana).

 

Mais uma vez, Kerényi tem de enfrentar a tese comum sobre os romanos: não inventaram nada. E, com efeito, em relação aos deuses, não houve nenhum contributo especial. Mas o seu brilhante estudo sobre A vida do Flamen Dialis, analisando todos os ritos que este sacerdote romano tinha de observar na sua própria vida e no culto, Kerénye chega a esta conclusão surpreendente: enquanto os gregos se destacaram na representação da divindade pela mitologia e a arte, os romanos destacaram-se na representação do divino na acção de culto. E isto pressupõe um princípio inovador: enquanto para os gregos a divindade se manifestava sobretudo no plano do ser, para os romanos a divindade manifesta-se numa sequência temporal de actos decisivos. Não nos podemos esquecer da expressão romana sobre o acto de culto que Michel Montaigne destaca tão bem: «Os romanos diziam na sua religião “Hoc age” [Fá-lo!]» (Ensaios II, cap.X).

 

Mais recentemente, Marta Sordi (Tratado de Antropologia do Sagrado, vol. III, Quinta Parte: Roma e o Sagrado) faz uma ligação entre a concepção romana da Pax Deorum e a sua concepção da história e do direito. Claramente, entramos aqui num domínio muito pouco estudado. Uma coisa, porém, é certa: o direito romano não aparece por acaso ou sobreposto à sua cultura.

 

Os romanos herdaram a Etrusca disciplina cujo núcleo fundamental era a ideia da paz deorum e a concepção sagrada da história. Os etruscos tinham a ideia firme de que o «desenrolar dos acontecimentos históricos existia sobretudo para significare, para revelar uma actuação divina ou anunciar uma futura intervenção». Daqui a sua concepção linear da história e a ideia de que cada povo, cada cultura, tinha um tempo fixo de duração.

 

Ora a pax deorum acontecia dentro do horizonte de uma aliança e «o direito de uma divindade a ser adorada como quisesse fundava o direito do indivíduo de adorar a divindade que quisesse». Assim, havia sempre a preocupação de «não violar aliquid divini iuris».

 

 Em ambos estes estudos fica claro que seria necessário repensar o que seja o «facere» romano e, sobretudo, o «sacrum-facere». Não é por acaso que o exemplo onde Julien Ries consegue ser mais claro sobre a natureza do sagrado seja precisamente na religião romana. Depois de explicar que a palavra sacro deriva de sak, formando o verbo sancire (conferir validez e realidade a algo, fazer que algo exista), o autor comenta: «Em toda a hierofania existem três elementos inseparáveis mas distintos. O elemento mais próximo ao ser humano é um objecto visível: um homem, uma árvore, o sol, a lua, os astros, uma pedra, um altar, um tempo, etc.. Tudo isto constitui o ambiente. Há um elemento invisível percebido pelo ser humano: a divindade, o numinoso, o transcendente, uma Realidade, uma Força. […] Mas eis aqui um terceiro elemento: a sacralidade, uma nova dimensão na qual o objecto fica revestido e através da qual se manifesta o sagrado. O sacerdote é um homem, mas está revestido de sacralidade, a participação da força misteriosa» (Símbolo, le constati del sacro).

 

Finalmente, seria importante tentar perceber que ligação poderá haver entre o acto de culto romano e a cultura, tanto a cultura agrícola como a ampla acepção que tem no nosso mundo Ocidental.

bottom of page