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IV - ORIGEM DA CULTURA OCIDENTAL: ROMA

2. IGREJA E DIREITO

HAROLD J. BERMAN

(Pedro Cândido)

Harold J. Berman (1918-2007) foi um jurista estadunidense, especialista em Direito Comparado e História do Direito. Em 1983 publica um dos seus livros mais importantes: Law and Revolution: The Formation of the Western Legal Tradition.

 

A chamada civilização “ocidental” desenvolveu distintas instituições legais, valores e conceitos; essas instituições, valores e conceitos foram conscientemente transmitidos de geração em geração durante séculos, o que veio a constituir uma “tradição”. Qual é o seu momento inicial mais marcante?

 

A grande separação entre o Este e Oeste (ambas as partes do Império) ocorreu com o movimento ocidental de tornar mais definido o primado do Bispo de Roma como cabeça da Igreja, emancipar o clero dos imperadores e para agudizar a diferença entre a Igreja e a política secular. Este movimento culminou com a Reforma Gregoriana e a Luta das Investiduras (1075-1122). Deu origem à formação do primeiro sistema legal moderno do Ocidente, a nova “lei canónica” (jus novum) da Igreja Católica Romana e, finalmente, a novos sistemas legais seculares – Real, urbano e outros. O termo “Ocidente” na frase “Tradição Jurídica do Ocidente” refere-se a estes protagonistas e a estes acontecimentos.

 

“Israel”, “Grécia” e “Roma” são antepassados do Ocidente, não por um processo de sobrevivência ou sucessão, mas por um processo de adopção: o Ocidente adoptou-os como antepassados. Este ponto é de especial importância para perceber a redescoberta e reavivamento do direito Romano.

 

O Ocidente, nesta perspectiva, não é Grécia, Roma ou Israel, mas as pessoas do Ocidente debruçando-se sobre os textos gregos, romanos e hebreus como fonte de inspiração e transformando esses textos de um modo que eventualmente teria surpreendido os seus autores.

 

Um dos propósitos deste livro é demonstrar que no Ocidente os tempos modernos – não apenas as modernas instituições legais e os modernos valores legais, mas também o estado moderno, a Igreja moderna, a universidade moderna - têm origem remota no período de 1050-1150 e não antes.

 

A transformação radical de um sistema legal é contudo algo paradoxal, na medida em que um dos propósitos fundamentais da lei é providenciar estabilidade e continuidade.

 

Em primeiro lugar, considera-se que o novo sistema legal está enraizado historicamente nos eventos que o produziram. Em segundo lugar, considera-se que foi alterado não apenas como resposta a novas circunstâncias mas de acordo com um padrão histórico. A lei é considerada como um fenómeno histórico. O novo sistema legal considera-se dotado de historicidade.

 

Nesta obra de grande fôlego o autor aborda a essencialidade da Revolução Papal, com os Dictatae Papae, primeira revolução de carácter transnacional. Em 1075 o Papa Gregório VII escreveu um documento – Dictatus Papae – que consistia em 27 concisas proposições que atribuíam autonomia jurídica à Igreja. Este movimento foi apoiado pela Reforma de Cluny, cuja cabeça regulava todos mosteiros da Ordem, qualquer que fosse o país, constituindo-se a primeira organização transnacional.

 

Neste movimento, o Direito (jus canonicum) foi desenvolvido como sistema integrado e não como mera compilação de normas, criando-se um verdadeiro corpo de intérpretes e abundantes novos cargos de funcionários – um estado administrativo. O poder secular, para poder lidar com tal organização, viu-se na necessidade de recrutar funcionários que falassem a mesma “linguagem”, daí sobrevindo o nascimento das universidades.

 

A revolução papal deu origem ao nascimento do moderno estado Ocidental que, paradoxalmente, tem na Igreja o primeiro exemplo. A Igreja assumiu as características de um Estado Moderno: independente, hierárquico e de autoridade pública. Com a criação de novas leis e com o zelo pelo seu cumprimento a Igreja exerceu os poderes legislativo, administrativo e judicial de um Estado Moderno. Acresce ainda o sistema racional de jurisprudência, a lei canónica.

 

Uma última nota final. É de chamar a atenção que, na apreciação de certos eventos eclesiásticos, Bergman mantém uma visão teológica protestante. Em certo sentido, dá mais peso à visão que consegue ter da importância da Igreja Católica como instituição.

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