GEORGE BERNANOS
Recensão
(Mário Rosa)
George Bernanos nasceu em 1888 e morreu em 1948. O seu dado biográfico mais importante foi a sua liberdade de pensamento quando toda a sua vida criticou os livres-pensadores. Les Grands Cimetières sous la Lune (edição portuguesa: Os Grandes Cemitérios sob a Lua) é o livro que melhor espelha este aspecto. Escrito logo no início da guerra civil espanhola, é notável como todos os totalitarismos são ali igualmente denunciados. Mesmo em relação a Franco, a quem apoiava na sua luta contra o comunismo, foi um crítico feroz. Esta atitude impôs-lhe vários exílios ao longo da vida.
Le Journal d’un Curé de Campagne (edição portuguesa: Diário de um Pároco de Aldeia), 1936, é a sua melhor obra, pois em mais nenhuma ressalta tão bem o conceito-chave do seu pensamento sobre a existência humana: o ser humano é sobretudo infância. Isto leva a que o livro seja simultaneamente encantador e aterrador. Com efeito, a criança é simultaneamente capaz de actos sublimes e cruéis ao mesmo tempo. Além disso, é também nesta fase da existência onde os sentimentos da alegria e da angústia mais se resistem a ser reduzidos a explicações imediatas e simplistas.
Consequentemente, a relação do homem com Deus é vista sobretudo nesta perspectiva. Assim, o mal torna-se na existência humana tão óbvio como incompreensível e o bem tão natural como puro dom. Sobre este último aspecto, a descrição que o romance apresenta sobre Nossa Senhora-criança é admirável. Por sua vez e inversamente, essa é a perspectiva privilegiada com que Deus olha para o homem: «Pai, perdoa-lhes porque eles não sabem o que fazem». Não é isto que todos pensamos quando vemos uma criança fazer um disparate?
Uma nota final sobre este romance. Não há nenhum intelectual católico que tenha abandonado a fé que não se sinta obrigado a responder ao acontecimento final do livro. O protagonista, um sacerdote, encontra um colega do seminário. Fica a saber que ele já não é sacerdote e que vive com uma mulher. Como justificação do seu abandono, apela a uma nova visão do mundo a que chegou. O outro sacerdote não argumenta. Apenas faz um comentário: “se alguma vez tiver a desgraça de abandonar o sacerdócio preferia que fosse por amor de uma mulher que por aquilo a que chamas a tua evolução intelectual”…
Sous le Soleil de Satan – 1926 (edição portuguesa: Sob o Sol de Satã). É o seu primeiro romance. A obra é muito influenciada pela vida do Santo Cura de Ars e pelo pensamento de Jules Barbey. O caminho que o protagonista, o sacerdote, faz numa noite de provação é paradigmático: volta sempre ao mesmo sítio. O mesmo acontece com o professor da Academia Francesa: o seu pensamento volta sempre ao ponto inicial do vazio. No entanto, os alunos que ouviam as suas aulas comentavam “é um génio” o que só aumentava o seu desespero. Esperava que os alunos ficassem também eles angustiados mas não. Eles apenas faziam uma leitura estética do seu pensamento…
O desfecho deste livro, partindo da observação atenta do professor universitário sobre o genuflectório do confessionário, é uma das obras-primas da literatura.