II - CIÊNCIA E ORIGEM DO HOMEM
1. A LINGUAGEM DE DEUS
FRANCIS COLLINS
(Bernardo Motta)
Francis Collins (1950-) é um geneticista norte-Americano que ficou conhecido mundialmente pela sua associação ao Projecto do Genoma Humano. Em 2006 publica "The Language of God: A Scientist Presents Evidence for Belief", editado em Portugal pela Editorial Presença em 2007 com o título "A Linguagem de Deus". O subtítulo da edição em Português, "A Ciência apresenta provas para a Fé", é inexacto na medida em que o subtítulo original remete para uma perspectiva mais pessoal que permeia toda a obra: "Um cientista apresenta evidências para a crença".
Esta obra é uma defesa da existência de Deus escrita em linguagem simples e acessível por um dos maiores cientistas mundiais.
Collins é um cientista reputado, mas vale a pena recordar os pontos-chave da sua carreira. Collins formou-se em Química na Universidade de Yale e em Medicina em 1977, na Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. Em Yale, fez trabalho de investigação sobre o ADN (a molécula de ácido desoxirribonucleico que contém as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos), juntando-se ao pessoal docente da Universidade de Michigan em 1984. Em 1993, o National Institutes of Health (NIH) nomeou Collins director do National Center for Human Genome Research. Nesse papel, coordenou o consórcio que viria a sequenciar o genoma humano. Em 2009, foi nomeado director do NIH, cargo que ainda ocupa em 2021. Neste mesmo ano de 2009, o Papa Bento XVI nomeou Collins como membro da Pontifícia Academia das Ciências.
No primeiro capítulo da primeira parte desta obra, Collins partilha o seu percurso pessoal do ateísmo para o cristianismo. O autor fala do seu contacto próximo com doentes moribundos, e de como a fé em Deus os apoiava no fim da vida, e lhes dava uma força heróica de suportar o sofrimento. Collins refere como ficava intrigado com doentes que sofriam sem se revoltarem contra o Criador.
É pelo conselho de um pastor Metodista que Collins faz o primeiro contacto com uma obra séria de apologética, o clássico de C. S. Lewis, "Mere Christianity": "Nos dias seguintes, enquanto virava as suas páginas, tentando absorver a amplitude e profundidade dos argumentos intelectuais apresentados por este lendário académico de Oxford, dei-me conta de que todos os meus conceitos contra a plausibilidade da fé eram os de um estudante. (...) Quando me dei conta de que Lewis tinha sido ele mesmo um ateu, que estava determinado a refutar a fé com base em argumentação lógica, percebi como ele poderia iluminar o meu caminho".
Collins escreve páginas importantes sobre o problema do Mal, e de forma muito pessoal, sobre o intenso sofrimento que foi para a sua família a violação da sua filha, um crime cujo culpado nunca foi encontrado: "Podemos nunca entender completamente as razões para estas experiências dolorosas, mas podemos começar por aceitar a ideia de que podem existir razões. No meu caso eu posso ver, embora vagamente, que o estupro da minha filha foi um desafio para mim em tentar aprender o sentido real do perdão em circunstâncias terrivelmente dolorosas. Em total honestidade, ainda estou a tentar lidar com isto. Talvez isto tenha sido uma oportunidade para eu reconhecer que não podia verdadeiramente proteger as minhas filhas de toda a dor e sofrimento; tinha que aprender a confiá-las ao cuidado amoroso de Deus, sabendo que isto não era uma imunidade do mal, mas uma certeza de que o seu sofrimento não seria em vão. De facto, a minha filha viria a dizer que esta experiência lhe proporcionou a oportunidade e motivação para aconselhar outros que passaram pelo mesmo tipo de agressão".
Na segunda parte da obra, Collins aborda as grandes questões da existência humana. Começa pela cosmologia, apresentando a teoria do Big Bang. Collins comenta que no princípio do século XX, a maioria dos cientistas assumiam que o Universo não tinha princípio nem fim. Fruto de importantes observações astronómicas, surgiu a presente teoria de que o Universo está em expansão desde o início do tempo, hoje estimado como tendo surgido há cerca de 14 mil milhões de anos. Collins passa depois às inevitáveis discussões filosóficas e teológicas que surgem da teoria do Big Bang, em particular esta questão: se o Universo começou a existir, se o tempo e o espaço começaram a existir, qual a causa de tal evento? Collins sublinha como esta teoria cosmológica é consonante com a noção teológica de "creatio ex nihilo", a criação do Universo por Deus a partir do nada. Collins cita o astrofísico Robert Jastrow: "Agora vemos como a evidência astronómica leva a uma visão bíblica da origem do mundo. Os detalhes diferem, mas os elementos essenciais e os relatos astronómico e bíblico do Génesis são idênticos; a cadeia de eventos conducentes ao homem começa subitamente e abruptamente num momento bem definido no templo, num flash de luz e energia".
Collins passa depois às origens da vida na Terra. O autor é categórico acerca desse actual enigma científico: "nenhuma hipótese actual se aproxima de explicar como no espaço de uns meros 150 milhões de anos o ambiente pré-biótico que existia no planeta Terra deu origem à vida". Faz depois o ponto de situação dos conhecimentos actuais acerca do registo fóssil, destacando que "a linha temporal revelada pelo registo fóssil é lamentavelmente incompleta, embora ainda assim muito útil", mas no entanto "todas as descobertas são consistentes com o conceito de uma árvore da vida de organismos relacionados".
Passando de seguida ao tema científico que o fez famoso como cientista e investigador, Collins partilha com os seus leitores as descobertas surpreendentes do Projecto Genoma Humano. Fá-lo num capítulo curiosamente intitulado "Decifrando o livro de instruções de Deus". Eis as surpresas: apenas uma pequena parte do genoma, cerca de 1,5%, é usada para codificar proteínas. Outra surpresa: a quantidade de genes que codificam proteínas no ser humano, entre 20 e 25 mil genes, é semelhante à dos restantes seres vivos. Diz Collins: "claramente, a contagem de genes não deve ser toda a história" no que diz respeito às diferenças entre o ser humano e outros seres vivos. A análise do genoma humano revela ainda a extraordinária semelhança genética entre seres humanos: 99,9% de genes idênticos. Os dados resultantes de décadas de análise dos genomas dos vários seres vivos contribuem significativamente para a tese da descendência comum de todos os seres vivos.
Na terceira e última parte, Collins procura harmonizar os dados da Ciência com a crença em Deus. Começa esta parte com algumas notas históricas acerca das polémicas em torno de Galileu, tentando compreender a génese da moderna fricção entre Ciência e cristianismo. Os comentários que o autor tece acerca do caso Galileu reflectem um conhecimento superficial do tema: é nosso dever alertar o leitor para o facto de que Collins coloca Galileu em representação da Ciência em contraponto com a Igreja Católica, nunca referindo o facto de que a oposição mais forte a Galileu vinha do aristotelismo académico, ou seja, do meio científico da época. A cosmologia coperniciana que Galileu defendia não era compatível com a física aristotélica, e Galileu não estava ainda preparado para oferecer uma nova física que substituísse o sistema aristotélico. O cerne do caso Galileu nasce de importantes discussões astronómicas e filosóficas, e a questão das Escrituras só é trazida para a praça pública como estratagema dos inimigos de Galileu para lhe criar problemas com as autoridades religiosas.
No campo das ciências da vida, Collins passa em revista três correntes diferentes: a corrente maioritária do darwinismo, que o autor defende ser a mais bem adaptada aos dados científicos; a do "criacionismo da Terra jovem" (YEC, "Young Earth Creationism"), à qual o autor não dá crédito científico embora reconheça uma intenção de querer proteger a fé dos ataques secularistas; e a do movimento "Intelligent Design" (ID). Collins tece duras críticas de teor científico ao "Intelligent Design", criticando também alguns dos adversários do ID, ao escrever que "críticos [que] se referem ao ID de forma não caridosa como sendo "criacionismo disfarçado" ou "criacionismo 2.0" (...) não fazem justiça à consideração e sinceridade dos proponentes do ID. Na minha perspectiva de geneticista, biólogo, e crente em Deus, este movimento merece séria consideração".
Passados vários anos da publicação desta obra de Collins, o debate entre darwinistas e defensores do "Intelligent Design" está mais enérgico do que nunca, pelo que este capítulo será talvez o mais datado de toda a obra, e deverá ser lido à luz de várias obras mais recentes.
Collins, após criticar o darwinismo materialista, o criacionismo da Terra jovem, e o "Intelligent Design", passa à defesa do teísmo evolucionista e das suas teses centrais. Defende então Collins que o Universo surgiu do nada há aproximadamente 14 mil milhões de anos, e contra todas as probabilidades surge "afinado" de forma muito precisa para a vida. Embora não se compreenda ainda como começou a vida, o processo de evolução e selecção natural permite o desenvolvimento dos seres vivos e explica a sua variedade e diversidade. O autor defende também que os seres humanos fazem parte deste processo, e partilham um antepassado comum com os grandes primatas. No entanto, escreve Collins, o ser humano é único de vários pontos de vista, que desafiam explicações evolucionistas, e apontam para a nossa natureza espiritual.
A mensagem desta obra é clara: Collins vê nas descobertas da Ciência moderna as evidências necessárias para aceitarmos a existência de Deus: que o Universo teve um início, que obedece a leis bem ordenadas, que tais leis são exprimíveis na linguagem rigorosa da matemática, e que é hoje conhecida uma série de "coincidências" nas leis da Natureza que são indispensáveis para o surgimento da vida.
O autor termina esta obra com importantes considerações acerca da ética do trabalho científico, reflectindo sobre os desafios éticos que surgem das novas técnicas científicas e médicas. Afinal, nem tudo o que a Ciência moderna permite, com as suas técnicas inovadoras, é eticamente admissível.