V - ORIGEM DA CULTURA OCIDENTAL: LETRAS
3. LITERATURA EUROPEIA
ERNST ROBERT CURTIUS
(Mário Rosa)
Ernst Robert Curtius (1886-1956) foi um importante filólogo, romanista e crítico literário alemão. Em 1932 publicou Deutscher Geist in Gefahr (O Espírito Alemão em Perigo) onde denunciava o risco que corria a intelectualidade alemã de ceder aos movimentos de extrema-esquerda e ao Nacional-Socialismo. Entre parêntesis, cabe sublinhar que não é a primeira vez que escolhemos intelectuais que estiveram acima do seu tempo…
Em 1948, depois de muitos anos de trabalho, publicou a sua obra mais importante: Europäische Literatur und Lateinisches Mittelalter, Literatura Europeia e Idade Média Latina. Vale a pena ler com atenção aquilo que poderia ser uma breve introdução mas que, naquele contexto, era obrigatório tratar num capítulo inteiro, o primeiro: Literatura Europeia.
À época da edição deste livro a História da Literatura Europeia estava limitada, na sua origem, ao ano de 1500! A literatura medieval era praticamente desconhecida. E o problema maior é que não se trata apenas de mais um período histórico: «da interpretação histórica da Europa se infere que esse período, como elo entre a Antiguidade decadente e o Mundo Ocidental, que se ia formando muito lentamente, ocupa uma posição chave».
A par deste problema existia outro. A História da Literatura operava sobretudo em categorias de divisão e caracterização de estilos e géneros literários, o que não deixava ver o todo e a relação entre as suas partes: «a literatura europeia é uma “unidade de sentido”, que escapa à vista, quando se subdivide». Mais, também não existia uma filosofia da história que fornecesse novas categorias de compreensão do acontecer histórico. Bergson, como reconhece Curtius, era o único filósofo que apontava novos horizontes.
Como enfrentar este problema? A análise constante que o autor faz de «topos» literários, temas recorrentes em vários períodos históricos, neste caso, da Antiguidade e Idade Média, vão-lhe permitir encontrar claros pontos de intersecção e, assim, obter uma visão de conjunto. Daí a sua tese fundamental: «Só adquire o direito de cidadania no reino da literatura europeia quem demora muitos anos nas suas províncias, mudando-se muitas vezes de uma para outra. É europeu quem se tornou civis romanus».
Outra característica decisiva desta obra é a exigência de uma interdisciplinaridade no estudo literário. Com maioria de razão numa época onde o saber não se encontrava fragmentado. Educação, Filosofia, Teologia, são áreas constantemente analisadas nesta obra monumental.
Esta visão de conjunto levará a uma conclusão decisiva: «A relação entre o Mundo Antigo e o Mundo Moderno não pode mais ser compreendida como “sobrevivência” ou “herança”. A Idade Média foi muito mais do que isso. Talvez seja oportuno recordar aqui a metáfora que um medieval criou e que nunca mais conhecerá fim no nosso Mundo Moderno:
«Bernardo de Chartres dizia que somos como anões sentados aos ombros de gigantes, para destacar que vemos mais e mais longe, não pela própria agudeza de visão ou estatura corporal, mas porque somos elevados e transportados na sua gigantesca envergadura». (Citado por João de Salisbúria, Metalogicon)
Finalmente uma nota sobre os excursos ou apêndices. Temas como o Riso e a Idade Média, as Fórmulas de Humildade, serão, ainda para o leitor de hoje, certamente surpreendentes nas suas conclusões.