top of page

EUGÈNE IONESCO

Biografia e Pensamento

(Mário Rosa)

Eugène Ionesco nasceu em 1909, na Roménia, e morreu em 1994, em Paris. Da sua biografia destaco um acontecimento quase insólito: apesar de ser um grande dramaturgo e de ter tido muitas solicitações nunca cedeu ao nazismo nem ao comunismo nem a qualquer outro totalitarismo ideológico. Ionesco é um intelectual muito incómodo para todos aqueles que apelaram ao espírito do tempo para justificarem as suas opções políticas. Mas convém perceber porquê, pois o recurso derradeiro dos que cederam foi tentar denunciar quem não o fez alegando ter sido por “más razões”.

 

 

Como nos conta nos três volumes do seu diário, Ionesco não cedeu, em primeiro lugar, porque nunca cortou a ponte com Deus e isto apesar de não ser crente. Quem pergunta por Deus, mesmo sem saber se existe, sabe pelo menos o que Ele não é. E o Estado, as ideologias, não podem ser Deus. A proibição de certas perguntas, censuradas pelo marxismo como inúteis, mostra aqui toda a sua virulência.

 

Em segundo lugar, Ionesco não cedeu pelo tipo de teatro que decidiu escrever. Este autor, juntamente com Samuel Beckett, é considerado o pai do teatro absurdo. Contudo, Ionesco nunca gostou dessa caracterização e preferiu a denominação de “teatro insólito”. Ao contrário da palavra “absurdo”, “insólito” não reduz os acontecimentos a algo irracional ou contraditório. Pode ser que os acontecimentos sejam incompreensíveis por limitação condicionada do sujeito, ou por serem incompreensíveis em si mesmos mas no sentido de estarem para lá da razão e não em contradição com ela. (Entre la vie et le rêve, Entretiens avec Claude Bonnefoy).

 

“Insólito”, no caso da existência humana, tem também uma dimensão positiva. Impede a redução da visão antropológica a uma posição ideologia: Certains critiques m’accusent de défendre un humanisme abstrait, l’homme de nulle part. En réalité, je suis pour l’homme de partout; pour mon ennemi comme pour mon ami. L’homme de partout est l’homme concret. L’homme abstrait, c’est l’homme des idéologies: l’homme des idéologies n’existe pas. La condition essentielle de l’homme n’est pas sa condition de citoyen, mais sa condition de mortel. Lorsque je parle de la mort, tout le monde me comprend. La mort n’est ni bourgeoise ni socialiste. Ce qui vient du plus profond de moi-même, mon angoisse la plus profonde est la chose la plus populaire. (Notes et contre-notes).

 

É nesta via que Ionesco propugna a «identificação profunda», ao contrário de Bertholt Brecht, como objectivo do seu teatro: Participation, identification […]. Chaque auteur dit objectif, ou juste, plein de raison, réaliste, a un méchant à châtier, un bon à récompenser. C’est pour cela que toute œuvre réaliste ou engagée n’est que mélodrame. Mais si, au lieu de parler du méchant soudard allemand ou japonais ou russe ou français ou américain, ou du méchant bourgeois ou de la pétroleuse criminelle ou du hideux militariste ou du soldat traître et déserteur, etc., si, au lieu de tout cela, je déshabille l’homme de l’inhumanité de sa classe, de sa race, de sa condition bourgeoise ou autre; lorsque, derrière tout cela, lorsque je parle de ce qui est intimement moi, dans ma peur, dans mes désirs, dans mon angoisse, dans ma joie d’être; […] – Mais je suis bien l’homme dépouillé de tout ce qui en lui est mentalité partisane, séparation, déshumanisation, homme aliéné par le choix ou le parti, et je ne hais plus les autres. C’est là le lieu de l’identification profonde, c’est là le moyen d’y parvenir. (Journal en miettes)

 

 

Obra

 

Toda a sua obra vale a pena ser lida já que é difícil poder assistir. Para quem quiser começar a ler este autor, indico duas obras:

 

Rhinocéros, 1959 (Edição portuguesa: Rinoceronte). Para destacar o absurdo a que nos levaram os totalitarismos, Ionesco utiliza aqui o seu peculiar método: sur un texte burlesque, un jeudramatique; sur un texte dramatique, un jeu burlesque (Notes et contre-notes). Nesta obra, dois amigos conversam numa cidade. Começam a ouvir um ruído ensurdecedor. O barulho vai aumentando até que passa um rinoceronte a correr e esmaga um gato. Todo este acontecimento levaria naturalmente a perguntar o que faz um rinoceronte à solta numa cidade. Mas a trama vai por outro lado. A preocupação dos moradores é saber se o rinoceronte tem um ou dois chifres, se é de África ou da Ásia… A personagem “o lógico”, por recorrer a uma lógica desencarnada, formal, típica das ideologias, ainda vai trazer mais confusão a todo o diálogo. Entre risos e gargalhadas vamos lendo esta peça até descobrirmos quem é o rinoceronte ou quem são os rinocerontes.

 

Diários. Três obras configuram o seu diário: Journal en miettes – 1967 (edição inglesa: Fragments of a Journal; edição espanhola: Diario); Présent passé, passé présent -1968 (edição inglesa: Present Past, Past Present; espanhola: Diario II) e La Quête intermittente -1988 (edição portuguesa: A Busca intermitente).

É notável nesta obra, por vezes até exasperante, a contínua reposição das perguntas essenciais no dia-a-dia deste dramaturgo. Tudo é "insólito" para Ionesco. Daí também a recusa paulatina que vai fazendo da psicanálise como resposta suficiente para a sua vida pessoal. O que mais surpreende destes diários, porém, é a sua constante inconformidade com a morte.

No último volume, A Busca Intermitente, surge Deus como tema central. No entanto, a sua conversão, é continuamente assediada pela dúvida e o temor.

 

Por todas estas razões aconselho a leitura desta trilogia previamente à sua vasta e importante obra. Aprendemos assim a ver mais no que foi pondo em cena.

bottom of page