IV - ORIGEM DA CULTURA OCIDENTAL: ROMA
2. IGREJA E ESTADO
LORD ACTON
(Pedro Cândido)
Não iremos insistir aqui na questão fundamental por já estar muito difundida. O Cristianismo, desde a sua origem, por indicação expressa do seu fundador, foi uma religião que delimitou o domínio pertencente ao Estado e à Igreja: «Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus» (Mt 22,21).
No livro Sobre a Religião, Rémi Brague dedica um capítulo a analisar as relações Igreja/ Estado. Nomeadamente desde após a declaração de Constantino até ao fim da Idade Média. Ao contrário da generalidade da historiografia, que de modo superficial aponta para a confusão entre ambas as instituições no Ocidente, Rémi Brague, de modo provocante, lança de imediato a questão – Terão estado alguma vez separados? Ao contrário do que a questão sugere, entende que não existe necessidade de separação, porquanto ambas sempre estiverem separadas, em constante confronto. Esta tese não é nova. E Rémi Brague remete para Lord Acton.
John Emerich Edward Dalberg-Acton (1834-1902) foi um historiador britânico que lecionou na Universidade de Cambridge. Por não se ter dedicado de modo profícuo à escrita de obras, a leitura e aprendizagem sobre o seu pensamento não será revelada numa obra de referência, mas sim num conjunto disperso de Ensaios e Lectures.
A sua obra mais conhecida é Essays on Freedom and Power, conjunto de textos publicados ou leituras de aulas proferidas, nos quais o Autor discorre sobre o tema que prevalece na sua intervenção doutrinária: o Poder e a Liberdade.
No seu libelo “The History of Freedom in Christianity” o autor reflecte acerca do carácter decisivo do Império Romano, nomeadamente do Imperador Constantino, que deixou de perseguir os cristãos e professou o Cristianismo, defendendo que tal decisão não perturbava ou alterava o seu pensamento político, antes procurava na religião um pilar para consolidar o seu trono. Desse modo, consciente ou inconscientemente, atou o poder político e o poder religioso durante vários séculos, o que mudou a face da Europa.
Defende ainda o papel crucial da Igreja na formação da cultura ocidental, pois foi a única autoridade a opor resistência ao poder civil. Contrariando uma habitual historiografia que assume a Igreja a impor-se ao Estado, absorvendo-o, Lord Acton refere a luta entre ambos, durante 400 anos (séc. IV a séc. XIII), da qual resultou o surgimento da liberdade civil, «ainda que não fosse a liberdade o fim pelo qual combatiam, foi o meio pelo qual os poderes espiritual e temporal chamaram o povo em seu apoio».
Deste modo o autor defende que é em plena Idade Média que o governo representativo, desconhecido para os Antigos, se torna universal (aqui deverá ter-se ainda em conta o poder que tinham as corporações profissionais, ordens monásticas, senhores feudais, cidades, etc…).
No séc. XVI, com o declinar da autoridade religiosa, desparece o contrapeso da autoridade da Igreja, assumindo o rei todo o poder, aparecendo assim as monarquias absolutas. Daqui o seu célebre aforismo: «A Liberdade consiste na divisão de poder. O absolutismo na concentração de poder».
Nesta época a figura de Maquiavel torna-se paradigmática, pois todo o seu pensamento irá influenciar a literatura política, nomeadamente ao defender o poder ilimitado do rei e a impossibilidade de resistência ao soberano. Perante um rei absoluto e a Igreja dizimada, os reis usam/utilizam meios e motivos religiosos para encobrir os reais motivos políticos.
Com o movimento Protestante não houve grandes alterações neste contexto. Veja-se a excelente análise que Ricardo Garcia-Villoslada elabora sobre Martinho Lutero e suas consequências políticas (ora de resistência, ora de subserviência). Independentemente da religião, católica ou protestante, o poder temporal esmaga o poder religioso.
Lorrd Acton defende que o maior mérito nos últimos 200 anos foi o reconhecimento de que a liberdade religiosa é condição prévia e necessária da liberdade civil. «Esta grande ideia política, que santifica a liberdade e a consagra a Deus, que ensina os homens a valorizar a liberdade alheia como a sua, a defender os outros por amor à justiça e à caridade mais que por reclamação de direitos…».
Num outro texto o autor, ante o dealbar do séc. XX, escreve um ensaio dedicado ao Nacionalismo verdadeiramente premonitório do que iria suceder no séc. XX.
É um defensor acérrimo da Liberdade, apontando assertivamente que qualquer regime político poderá ser favorável ou desfavorável à Liberdade, na medida em que não existem monarquias, repúblicas ou democracias puras, mas cada uma com as suas idiossincrasias culturais, sociais e tradicionais.
É o autor da célebre frase «O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre homens maus».