I - ORIGEM DA CULTURA OCIDENTAL
5. O ROMÂNICO
OLIVIER BEIGBEDER
(Mário Rosa)
O ponto de interrogação que coloquei como imagem deste separador tem vários significados. Em primeiro lugar, pelo que diz respeito ao autor escolhido. Nada sei sobre a sua biografia. Também não encontrei nenhuma fotografia. Apenas o conheço pela sua obra.
Em segundo lugar, o ponto de interrogação reflecte a natural perplexidade do leitor ao encontrar o Românico como Origem da Cultura. Obviamente que não está na sua origem já que é um fenómeno do séc XI-XIII. Mas curiosamente, em certo sentido, como tentaremos mostrar, está mais perto da origem da Cultura do que muitos fenómenos culturais anteriores a ele.
Como já tivemos a oportunidade de referir, a invenção da escrita marca uma divisão entre história e pré-história. Neste sentido fala-se das antigas culturas da Ásia e do Egipto como “culturas desenvolvidas” já que possuíam a escrita e, onde tal não se verifica, de “culturas ágrafas” ou “tradicionais”. Ora, estas duas formas de transmissão da cultura coexistiram durante muitos séculos. E a última referência que podemos ter no Ocidente (sem ser a arte popular) a uma cultura que se desenvolveu “tradicionalmente” é no plano artístico (não por acaso). Referimo-nos ao Românico.
Deve-se a Olivier Beigbeder o melhor estudo simbólico sobre o Românico. O seu extenso Lexique des symboles (1979) continua a ser a grande obra de referência no tema. Mas aqui queria deter-me num pequeno livro seu intitulado La Symbolique, editado em 1968 pela famosa colecção Que sais-je?.
Como é sabido, as “culturas tradicionais” são fortemente hierarquizadas e esta organização favorece a transmissão dos símbolos. Neste sentido é comum que os símbolos tenham um duplo significado: esotérico, válido para os iniciados; e exotérico, perceptível para todos. Que isto tenha acontecido no Românico pode deduzir-se da célebre passagem de São Bernardo que mostra uma perfeita incompreensão dos símbolos românicos.
O que temos aí? Podemos partir do já famoso «pensamento tradicional», com Guénon à cabeça, que defende a existência de uma religião esotérica dentro do cristianismo, que fez escola dentro de muitos mosteiros e conventos medievais. Contudo, além da «heresia cátara», não temos mais nenhum indício e, desta, pouca coisa conhecemos. Também podemos seguir a proposta de Focillon ou de Baltrusaitis e enveredar por uma via «culta», mas neste caso renuncia-se à grandeza da simbologia românica e ficamos apenas com uma arte decorativa.
Neste enquadramento, o que resta fazer? Aplicar o mesmo método que André Leroi-Gourhan utilizou para compreender a arte rupestre. Ou seja, definir constantes dos símbolos, tentar ver um significado coincidente – foi este o grande mérito de Olivier Beigbeder – e, como o Leroi-Gourham, ater-se aos «factos» e aceitar que nunca poderemos descobrir completamente o que está por detrás da Arte Românica. Foi uma religião exotérica? Foi apenas uma escola de artes? Esta última foi de certeza.
Mas além de ganharmos muito no conhecimento dos símbolos românicos – veja-se a título de exemplo o significado profundíssimo do símbolo X no Lexique des symboles – também é possível determinar culturalmente as suas origens mais remotas. A arte românica foi a arte de conjugar as contribuições simbólicas do Egipto, Mesopotâmia, Israel e Grécia. Mas o que é particularmente interessante observar é que essas contribuições não foram recebidas por meio de uma mera “influência” cultural, mas através de um verdadeiro “prolongamento” cultural. É este um dos pontos que marca a diferença entre uma “cultura desenvolvida” e uma “cultura tradicional”. A primeira, como a do Renascimento, é sobretudo individual e literária; a segunda foi colectiva e marcou o último expoente de uma cultura simbólica no Ocidente.