V - ORIGEM DA CULTURA OCIDENTAL: LETRAS
4. SIR GAWAIN AND THE GREEN KNIGHT
J. R. R. TOLKIEN
(Mário Rosa)
O Senhor dos Anéis suscitou um interesse por uma literatura medieval que até então era praticamente desconhecida do grande público e pouco estudada nos meios académicos. A partir dali apareceram sucessivas traduções das sagas, poemas e epopeias nórdicas, mas também das novelas de cavalaria. No caso do livro que nos ocupa, Tolkien tem ainda um papel mais importante. Foi ele quem o traduziu, em colaboração com E. V. Gordon, para o inglês moderno.
Qual é a importância desta novela ou romance? Dennis de Rougemont (veja-se a nossa recensão) elevou o romance medieval francês ao nível que merecia. E, no tocante à sua origem, foi ele também quem destacou com maior profundidade o problema que representa: como foi possível numa cultura predominantemente católica ortodoxa surgir um tal louvor do amor adúltero? A resposta de Rougemont será polémica. Não nos iremos deter nela. A questão que queremos abordar aqui é outra: como não surgiu uma nova conceptualização do amor cortês compatível com o Catolicismo no âmbito do romance de cavalaria?
É conhecida a resistência que ofereceu um autor como Chrétien de Troyes. Ele não acaba Le Chevalier de la Charrete, obra encomendada, exactamente porque se encontrou num beco sem saída. O adultério de Lancelot era inconciliável com o amor “católico” ou com a lealdade cortês. É certo que se perdeu a sua novela sobre o mito de Tristão, Del roi Marc et d’Yseut la Blonde, e não sabemos como a desenvolveu. Também é certo que a sua última obra, Perceval ou le Conte du Graal, incompleta porque morreu entretanto, abriu a «queste» cavaleiresca a algo mais profundo que o amor: um âmbito difícil de definir porque é tanto mítico como místico (no sentido católico). Este âmbito, diga-se de passagem, já tinha sido preparado por uma característica das suas novelas que Carlos García Gual destaca bem: «outro dos grandes méritos da novela de Chrétien é, no nosso entender, a irrupção do cavaleiro, misterioso e anónimo herói cujo nome o leitor não conhece até o enredo estar muito avançado […]. De onde vêm? Para onde vai?»
Ora, apesar de tudo isto, o próprio amor cortês, na problemática que indicámos, sai incólume. E este é o grande mérito da obra Sir Gawain and the Green Knight. A «quest» e a prova que é imposta ao cavaleiro é precisamente a de não cometer adultério. E isto intrinsecamente inserido na trama fundamental da simbologia do amor cortês: aventura no desconhecido, dificuldades, heroísmo, lealdade, etc. Ver aqui apenas uma moralização é cair numa crítica fácil e pouco séria.
Deixo apenas mais uma nota para quem queira ler o livro. Repare-se que a cena da caça, incrivelmente bem descrita, com tantas repercussões simbólicas para a compreensão da paixão amorosa, é ali tomada em sentido inverso ao habitual.
Para quem estiver interessado neste tipo de literatura, destaco aqui duas editoras que têm desempenhado um papel fundamental na sua divulgação em língua espanhola. A Editora Gredos, na colecção Clássicos Medievais, e a Editora Siruela, na colecção Biblioteca Medieval. Ambas apresentam extensas e profundas introduções, muito actualizadas, assim como tradutores de grande nível académico.