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O PRIMEIRO LIVRO

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ADVERTÊNCIA PRELIMINAR

«A condição que aceitámos para tornar público este livro, a saber, nunca dar a conhecer, sob qualquer pretexto, a verdadeira identidade dos intervenientes mencionados, obriga-nos a dar por existentes pessoas que não existiram e a deixar passar por personagens literárias pessoas que de facto existiram. O mesmo se verifica em relação aos acontecimentos relatados. E, sobre este assunto em particular, nada mais podemos acrescentar».

Nuno Lobo

Mário Rosa

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CAPTATIO BENEVOLENTIAE

«Em 1760, James Macpherson publicou uma tradução de poesia antiga inédita, intitulada Fragments of Ancient Poetry collected in the Highlands of Scotland. Apesar de mais tarde se descobrir que os supostos originais nunca existiram, este livro contribuiu, segundo vários autores, para o surgimento do Romantismo.

 

Neste nosso tempo, cabe-me dar a conhecer, ao longo de quatro tomos, uma história que tem como acontecimento estruturante uma lenda medieval. A semelhança entre as duas obras é clara: a Lenda da Azinhaga dos Morituros foi inventada (esta é a minha opinião) e também ela se tornou realidade. As diferenças não são menos óbvias: uma tornou-se realidade estética, determinando uma época; a outra tornou-se realidade na vida e na morte de um povo perdido numa aldeia de Portugal. A maior diferença, todavia, é outra: a Lenda narrada na Crónica da Azinhaga dos Morituros não inicia nenhum momento histórico, sendo apenas o encerramento definitivo de uma era há séculos moribunda.

 

Em 1978, um grupo de amigos, na altura prestes a entrar na faculdade, trava conhecimento com um estranho homem numa aldeia da Beira Baixa, a Azinhaga dos Morituros. O seu nome era Lopo. Os encontros foram-se multiplicando até à data da sua morte, em 1989. Foi por ele que tomaram conhecimento da Lenda da Azinhaga dos Morituros e assistiram aos últimos tempos de uma tradição que julgavam há muito desaparecida. Dois mundos se confrontaram então: o antigo e o moderno. O Teatro dos Mundos  não fala de outra coisa. Nele encontramos a dramatização de dois mundos em conflito.  

 

Se, de início, pensámos abrir esta obra com o relato da Lenda, rapidamente concluímos que era necessário elaborar os Preâmbulos, tanto para dar conta de como tomámos conhecimento desta história, como para facilitar, na medida do possível, a compreensão de uma tradição que já não é nossa.

 

Apesar de não ser o autor deste livro e de não ter vivido nenhum dos acontecimentos fundamentais da sua história – excepto os poucos que concorreram directamente para a edição do livro –, a responsabilidade da sua publicação é minha.

 

Entre muitas razões que se esclarecerão a seu tempo, o “autor” do livro, Carlos Negrais, preferiria não o ter escrito e não acredita na oportunidade da sua publicação. Pela minha parte, não penso assim. Sob vários pontos de vista, considero que esta publicação levanta questões profundas e inusuais, que são essenciais num salutar diálogo que me parece ser bastante útil nos dias que correm.

 

Paralelamente, o livro relata histórias de vidas extraordinárias. É certo que a exigência de anonimato imposto pelos protagonistas, desde logo expressa na Advertência Preliminar, coloca-me numa situação incómoda. Muitas vezes pensei em dar por inventada esta história e, assim, evitar mal-entendidos. Desse modo, contudo, perdia-se muito, designadamente a autenticidade, por vezes heróica, com que as personagens do livro viveram o destino que a Lenda lhes impôs. Para o Lavrador-maltês, talvez a última sombra de um mundo desaparecido, a pergunta é ociosa: “Quer se tome por inventada, quer se tome por verídica, o resultado será sempre igual: uma história encerrada num livro, e um livro, por essência, é coisa morta.”

 

De qualquer forma, sou consciente de que a questão do anonimato, mesmo se intimamente unida ao sentido último da história, soa a provocação no mundo de hoje. Apelo, pois, para a benevolência do leitor. A minha tragédia, o papel que me coube em sorte no meio deste theatrum anonymorum, constitui aquilo que no teatro clássico se designava por prólogo, não tanto por ser a parte que antecede o párodo do coro, mas por consistir, como acontecia em Eurípides, num monólogo, numa actuação isolada.»

 

 

Nuno Lobo in Preâmbulos: As Pedras da Azinhaga, Prólogo

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